“Quando fui fazer o saque já era tarde demais, não tive mais acesso aos meus fundos”, conta Daimon Freitas, um investidor de 27 anos, do estado Rio Grande do Sul, que sofreu na pele o que milhões de pessoas viveram ao redor do mundo em novembro de 2022: a quebra da FTX, então a segunda maior corretora de criptomoedas do mundo.
A empresa ainda não tinha uma presença tão sólida no Brasil quanto outras gigantes do cenário internacional, como a Binance, mas ensaiava aprofundar as raízes aqui à medida que acumulava cada vez mais clientes na região.
O brasileiro Antonio Neto tinha o cargo de desenvolvedor para América Latina da FTX e foi o criador do grupo no Telegram “FTX Português Oficial”, que conta atualmente com 2.820 pessoas. Logo após a quebra, as contas oficiais da FTX no Brasil foram apagadas, mas o canal no Telegram permaneceu no ar, servindo como um ponto de debate para os brasileiros que perderam dinheiro.
Por lá, eles discutem diariamente o andamento do processo de ressarcimento. A massa falida da FTX deve em breve começar a pagar de volta os clientes. No entanto, eles já sabem que não receberão suas criptomoedas de volta, mas sim o valor em dólar que elas representavam na época que a FTX quebrou.
Isso significa que eles não vão aproveitar os lucros que teriam com a recente valorização das criptomoedas em 2024, o que tem gerado grande revolta já que o mercado cripto mais que dobrou de valor desde a quebra da FTX. Para exemplificar: quem tinha 1 bitcoin na corretora no momento da falência, deverá receber US$ 16 mil (preço do ativo na época) e não US$ 70 mil, que é a cotação de hoje.
Muitos no canal relatam o recebimento de comunicações oficiais da FTX e não é diferente no caso de Freitas, que contou para o Portal do Bitcoin que recebeu uma carta explicando como estava a situação da recuperação judicial da empresa e um formulário para fazer seu cadastro como credor. E já aí começaram novos problemas.
“Falha quando coloco meu documento de identidade. Tem um baixíssimo suporte, não consegui fazer a verificação até hoje”, lamenta Freitas, que na época da quebra da FTX tinha cerca de R$ 5 mil na corretora, principalmente em Bitcoin (BTC), Ether (ETH), Tether (USDT) e um pouco de Dogecoin (DOGE).
Ele também reclama que nunca recebeu suporte da equipe que atuava pela FTX no Brasil. “Nunca tive contato de um suporte nacional. Ou alguma mensagem em português sobre o caso ou o meu capital”, afirma.
Antonio Neto, que representava a FTX no Brasil quando a corretora estava em operação, disse à reportagem que “pós-falência, já não havia muito o o que fazer” para oferecer suporte aos clientes brasileiros.
Questionado que tipo de comunicação a equipe da FTX teve com ele após a quebra, ele conta que o “único contato que fizeram foi por e-mail pra saber se eu havia algum hardware da empresa (notebook e afins)”.
Por fim, questionado se sente alguma responsabilidade pelos milhares de brasileiros lesados, Neto afirma que se sente mais vítima do que responsável de alguma forma.
“Quando me procuraram na FTX para tocar Brasil, meu intuito era fazer o que a FTX se propunha: avançar a regulação, democratizar acesso e ter a melhor tecnologia para corretora. No final do dia, eu era um funcionário que também foi lesado”, disse. “Difícil sentir responsabilidade para com outros quando você está dentro do mesmo bolo com suas poupanças de anos. Acredito que eu senti mais frustração e raiva do que qualquer outra coisa naquele momento.”
Comunicações pouco claras
Em meio ao processo pouco claro de ressarcimento da FTX, os clientes brasileiros tentam coletivamente entender o caso no Telegram. No dia 28 de fevereiro, um dos membros do grupo disse que recebeu um e-mail da FTX Digital Markets afirmando que a massa falida “já converteu todos os valores para USD à época da falência”.
Logo, outros confirmaram que receberam a mensagem, que tem como remetente o endereço “[email protected]” e como assunto “FTX Digital Markets Ltd. (In Official Liquidation) – Notice to creditors to prove debt.
A assessoria de imprensa de Price Water House no Brasil disse que por ser esse um caso dos Estados Unidos, a liderança local não tem visibilidade para checar a veracidade dos e-mails. A assessoria de imprensa da empresa nos Estados Unidos foi procurada, mas não deu retorno até a publicação deste texto.
Antonio Neto afirma ter recebido o mesmo e-mail e que acredita ser uma comunicação legítima e oficial da massa falida da corretora.
Mas depois de um golpe, o medo é uma sequela permanente. Um dos membros urge cautela aos colegas:
“Pelo amor de Deus pessoal, já foi falado umas duzentas vezes que teve vazamento de e-mail. Por isso recebemos tanto Fake. Aguardem notícias saírem nos meios oficiais (twitter, sites, etc). Um processo desse tamanho será divulgado em todas as mídias quando eles começarem a pagar todos. Ainda está rolando o processo. Quiçá receberemos este ano.”
Além disso, existem alguns relatos de clientes que dizem nunca ter recebido nenhum tipo de comunicação da FTX até o momento.
Prejuízo gerou cautela
O episódio com a FTX não teve o efeito de fazer Daimon Freitas sair do mercado cripto, mas gerou maior cuidado ao operar. Ele agora compra as criptomoedas em corretoras centralizadas, mas saca a maioria para uma hard wallet Nano, da Ledger. “Ficou a lição de não deixar as principais moedas em posse de terceiros”, afirma.
Freitas diz ainda que um dos fatores que o levaram a usar a FTX foi justamente a figura de Sam Bankman-Fried que lhe “parecia um jovem visionário de um setor que está se expandindo”.
Sobre a pena de 25 anos imposta ao executivo nos Estados Unidos, o brasileiro acredita ser justa: “O valor que perdi nessa história foi o de menos. Imagino a quantidade de pessoas que tinham capital e moedas na FTX, ou eram acionistas ou até mesmo tinham o token FTT. Não se pode roubar uma pessoa, imagine o mundo inteiro”.
O cliente não tem tanta confiança que será ressarcido. Mesmo assim, diz ter “alguma esperança de recuperar o valor, mesmo que seja 5%”.
Mas mesmo diante de parte dos seus fundos, Freitas mantém o bom humor. “Como brinquei com o meu pai, eu dei R$ 5 mil pra eles, e eles me mandaram um pedaço de papel”.
O caso FTX
A derrocada da FTX começou quando o site de notícias CoinDesk revelou que a Alameda Research, empresa de trade “irmã” da FTX e também fundada por Sam Bankman-Fried, tinha uma parte significativa de seus recursos no token nativo da exchange, o FTT. Com a revelação, o CEO da rival Binance, Changpeng “CZ” Zhao, disse que iria vender suas participações no ativo.
Isso levou a uma corrida desenfreada de clientes querendo sacar seus recursos da FTX, que perdeu o controle e não conseguiu mais atender a demanda de saques, levando a um cenário de suspensão de retiradas de fundos e atrasos de pagamentos.
A Binance ainda chegou a fazer uma oferta para comprar a FTX, prometendo que iria resgatar a empresa e garantir que os clientes recuperassem seus recursos. Porém, a exchange desistiu da aquisição ao avaliar a empresa de perto, o que levou a uma nova onda de problemas diante de acusações de mau uso dos recursos de clientes.
No dia 11 de novembro a FTX entrava com pedido de recuperação judicial e paralisava totalmente sua operação, com a renúncia de Sam Bankman-Fried e a entrada de John J. Ray III para o posto de CEO. Tendo participado de processos importantes de falência na história, como o da Enron, Ray III criticou as finanças da exchange tão logo assumiu o cargo.
Com todos esses problemas e novas denúncias surgindo a cada dia, Bankman-Fried acabou preso no dia 12 de dezembro de 2022 nas Bahamas, onde ficou apenas 10 dias até ser solto com o pagamento de fiança, retornando em seguida aos EUA.
Em agosto de 2023, SBF voltou a ser preso e em outubro foi julgado por sete crimes e declarado culpado de todos, sendo condenado a 25 de prisão, além do pagamento de uma multa de US$ 11 bilhões.
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