Na última semana de junho, ocorreu o Febraban Tech 2024, um evento voltado para o mercado bancário e de tecnologia. O evento contou com um amplo espaço para debates sobre inteligência artificial e tokenização, onde especialistas avaliaram o papel do Brasil nesta nova onda tecnológica.
E como uma das principais palestrantes, a futurista Amy Webb, CEO e fundadora do Instituto Future Today, afirmou que o mundo está passando por um “superciclo econômico”, mas alertou que o Brasil precisa deixar de ser o eterno “país do futuro” para conseguir se destacar.
“A primeira vez que o Brasil foi chamado do pais do futuro foi em 1941. Depois em 1984, em 2000, em 2016, e agora, em 2024, estamos ouvindo isso de novo. Mas vocês ainda estão vivendo no passado. As maiores companhias do Brasil ainda são empresas do século 20, mineração, petróleo, agricultura. São grandes indústrias, mas que estão em processo de disrupção. A mudança está vindo”, disse.
Ao mesmo tempo, Webb avalia que a indústria bancária está no centro da transformação digital no país. “Dizem que [os bancos] estão se movendo devagar, que as big techs estão indo mais rápido, e os bancos estão indo devagar, mas não é bem assim”, ressaltou ela.
Segundo a futurista, as empresas brasileiras precisam liderar o “país, a região e o mundo”, mas que é preciso uma mudança de postura das lideranças sobre as novas tecnologias. “Os líderes estão priorizando a iteração ao invés da inovação. O foco está em manter o status quo, então estão parados”, afirmou.
“Quando pensamos em inteligência artificial, era difícil conseguir a atenção dos líderes. Agora, todos estão interessados, mas guiados ou por medo ou pelo FOMO [‘medo de ficar de fora’, em tradução literal]. As indústrias não estão se preparando para a transformação gerada pela IA, não estão se movendo rapidamente e preferem uma abordagem rígida, de cima para baixo”, comentou Webb.
Superciclo econômico
Toda essa avaliação – e preocupação – sobre o papel do Brasil no mundo de hoje ocorre em um cenário que a futurista diz ser de um superciclo econômico, ou seja, um período longo de demanda crescente que eleva preços e ativos.
E segundo ela, este superciclo não está focado em uma única tecnologia, como já aconteceu antes na Revolução Industrial, por exemplo. Neste caso atual, três áreas são destaque e estão interligadas: inteligência artificial, biotecnologia e sensores (itens de tecnologia que podem ser usados em diversas coisas, mas principalmente ligadas à Internet das Coisas).
“Pode ser um grande ciclo de produtividade. Cada uma é uma tecnologia com propósito geral. Elas podem radicalmente remodelar uma economia e a sociedade”, explica Webb. “Quando essas tecnologias se expandem, há um superciclo de alta demanda que eleva os preços de commodities e outros serviços. É algo que pode se estender por anos, décadas, e vai gerar mudanças estruturais na economia.”
Segundo ela, esse é o momento mais complexo para o ambiente de negócios dos últimos 20 anos, principalmente para a indústria bancária, que sofre por conta de tanta regulação, que às vezes a impede de desfrutar rapidamente da inovação.
“Os líderes estão sobrecarregados. Há anos vêm percebendo que é preciso transformar, mas agora que a transformação chegou parece que não conseguem mudar de direção rápido o bastante diante da forte concorrência”, avaliou Webb.
Brasil na liderança
O futuro das tecnologias foi o foco de diversos painéis do evento da Febraban, que abordou com extensão o mercado de criptoativos, tokenização, Drex (o real digital) e a questão da regulação no meio disso tudo.
Um dos debates envolveu a questão: até que ponto é importante ter regras rígidas sem sufocar as inovações?
“Nós precisamos de regulação com moderação, para que não haja uma carga excessiva sobre as empresas”, defendeu Patricia Peck, advogada especialista em direito digital da Peck Advogados.
No mesmo painel, Reinaldo Rabelo, CEO do Mercado Bitcoin (MB), também complementou que o mercado não precisa necessariamente de uma regulação branda, mas sim de uma regulação “boa, uma regulação adequada que tenha como princípio e propósito estimular o mercado”.
“Não só em cripto, mas a economia como um todo está cada vez mais inserida no ambiente de competição global. Se não gerarmos um ambiente que favoreça o desenvolvimento de negócios no Brasil, vamos perder competitividade”, afirmou ele.
E essa visão se alinha ao que defende Webb, no ponto em que, apesar das regras e leis serem necessárias, é preciso dar espaço para a experimentação. “O futuro pode ir em qualquer direção, depende das decisões que tomamos hoje. O primeiro passo é criar uma cultura da curiosidade”, disse.
“Os líderes precisam permitir que as pessoas desafiem as crenças. Ou seja, convidar pessoas a pensarem um futuro diferente. Essas são as empresas prontas para o futuro. Estou exausta das pessoas ignorando o sul global como se isso não importasse. O sul global precisa ser parte dessa conversa, não somente como consumidor, mas produtor de tecnologia, e isso será melhor para todos”, concluiu a futurista.
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