Praticamente em qualquer lugar do mundo temas como economia, imigração e políticas públicas são cruciais para o resultado de uma eleição. Mas parece que em 2024, nos Estados Unidos, um outro tema será tão importante quanto esses para o andamento do pleito: criptomoedas.
Diferente de outros anos, investidores e entusiastas das moedas digitais estão se unindo por uma causa nesta eleição. Muitas dessas pessoas, que são potenciais eleitores, vivem em estados considerados chaves para a decisão do resultado. Segundo pesquisa da Morning Consult, milhões de eleitores nos EUA consideram que “criptoativos” é um tema decisivo nas urnas.
Além disso, empresários do setor também estão tentando ajudar – ou atrapalhar – as candidaturas conforme seus interesses. Faltando mais de sete meses para a eleição, milhões de dólares já foram gastos e continuam sendo arrecadados para serem usados nas campanhas.
E se não bastasse o setor cripto passar a ser vital para o resultado das eleições, o contrário também é verdadeiro, ou seja, o resultado obtido nas urnas pode mudar para sempre o rumo do mercado de criptomoedas não só nos EUA, mas no mundo.
Os “cripto eleitores”
Mais do que nunca, os “cripto eleitores” terão papel importante nas eleições. Será a primeira vez que haverá um pleito presidencial com uma adoção tão generalizada das criptomoedas, tanto entre investidores comuns quanto institucionais.
Em 2020, na última eleição, Michael Saylor, fundador da Microstrategy, ainda não havia colocado uma foto de perfil em suas redes sociais com olhos de laser de apoio ao Bitcoin; Elon Musk, dono da Tesla, também não tinha feito suas empresas comprarem bitcoins ou divulgado Dogecoin na TV americana.
Foi apenas após a eleição de Joe Biden que tudo isso aconteceu: o Bitcoin atingiu sua máxima histórica – que foi quebrada há alguns dias – e só mais recentemente houve a explosão da adoção institucional com o lançamento dos ETFs de Bitcoin à vista. Tudo isso leva, hoje, a um cenário completamente diferente do de 2020 em termos de adoção cripto.
Hoje, um em cada cinco americanos possui ativos digitais. São 52 milhões de pessoas de diferentes grupos políticos. De acordo com dados de pesquisas da Coinbase e da Morning Consult, 22% dos detentores de criptomoedas entrevistados foram identificados como democratas, 18% como republicanos e 22% como independentes. Além disso, 60% são da Geração Z ou Millennials e 41% são minorias.
Jovem, diversificado e bipartidário. Estas são as três características principais do cripto eleitor. Embora este bloco eleitoral não tenha sido um fator importante em 2020, está preparado para desempenhar um papel essencial para o resultado em novembro.
Lobby para os candidatos
E não são apenas os eleitores em si que estão impactando o andamento da eleição, já que grandes executivos também estão colocando dinheiro em campanhas favoráveis ao setor cripto. O lobby – que é institucionalizado nos EUA – está forte para o pleito de 2024.
Bilionários estão oferecendo muito apoio – e dinheiro – à causa, por meio de Super PACs, um mecanismo de financiamento que dá maior poder de influência nas campanhas a detentores de grandes fortunas. Um Super PAC pró-cripto chamado Fairshake já acumulou cerca de US$ 75 milhões para gastar nestas eleições, segundo informações da Bloomberg.
Entre os nomes que fazem parte do grupo estão os apoiadores incluem o CEO da Coinbase, Brian Armstrong, os gêmeos bilionários Cameron e Tyler Winklevoss – fundadores da exchange Gemini – e Marc Andreessen, da Andreessen Horowitz.
Entre os nomes que fazem parte do grupo estão apoiadores como o CEO da Coinbase, Brian Armstrong, os gêmeos bilionários Cameron e Tyler Winklevoss, fundadores da exchange Gemini, e Marc Andreessen, da Andreessen Horowitz.
E os primeiros impactos dessa nova força já começaram a ser sentidos. A derrota da deputada democrata Katie Porter nas primárias do Senado da Califórnia é um bom exemplo. Agentes da indústria cripto investiram US$ 10 milhões em uma campanha que conseguiu votos para o democrata favorável às criptos Adam Schiff, desbancando Porter na corrida eleitoral.
E essa força financeira das criptomoedas só tende a crescer até novembro. O grupo Stand With Crypto Alliance, que visa organizar os eleitores que possuem criptomoedas e podem influenciar a opinião pública, está realizando uma pesquisa para ver quais candidatos estão a favor e contra o setor.
Segundo Olivia Buckley, da OpenSecrets, um grupo de pesquisa que rastreia o dinheiro na política dos EUA, esta é uma forma da indústria cripto se envolver mais com a política em vez de organizações comerciais.
Em última análise, os candidatos que responderem à pesquisa de forma que a indústria considere positiva poderão receber o apoio de grupos que desejam impulsionar candidatos.
“A regulamentação das criptomoedas em nível federal continua muito contestada e obscura, portanto, ver quais candidatos podem obter o apoio da indústria pode ser um indicador do que está por vir no Congresso”, disse Buckley à Reuters.
Mais de uma dúzia de candidatos já responderam à pesquisa, incluindo os da Califórnia, Alabama, Texas, Indiana e Maryland, de acordo com o Stand With Crypto, embora o grupo tenha se recusado a fornecer nomes.
O grupo planeja levar a pesquisa aos candidatos das 468 cadeiras do Congresso que concorrerão às eleições de novembro.
Candidatos pró-cripto já estão recebendo apoio dos super PACs – Fairshake, Defend American Jobs e Protect Progress – que juntos já gastaram mais de US$ 21 milhões nesta corrida eleitoral, segundo a OpenSecrets.
Joe Biden e Donald Trump
A nível presidencial, a indústria cripto talvez ainda não tenha força para ser realmente decisiva, mas o tema já é importante e todos estão de olho nas opiniões de Joe Biden e Donald Trump.
O atual presidente democrata nunca mostrou interesse no assunto, tentando se manter mais neutro, apesar de que algumas de suas decisões e falas tenham pendido para o lado negativo. Em 2023, por exemplo, ele acusou “investidores ricos de cripto” de explorarem brechas fiscais apoiadas por “republicanos pró-Trump”. Neste ano, também defendeu o aumento de impostos sobre mineradores de Bitcoin, o que desagradou o mercado.
Isso sem contar que seu escolhido para presidir a Comissão de Valores Mobiliários do país (SEC), Gary Gensler, tem sido talvez um dos maiores dificultadores do avanço do setor nos EUA. Depois de anos de disputa, o regulador – contra a vontade de Gensler – aprovou recentemente os ETFs de Bitcoin à vista, o que levou o preço da criptomoeda para um recorde de mais de US$ 73 mil.
Além disso, uma de suas maiores aliadas também é tido como uma das maiores vilãs da comunidade de criptomoedas: a senadora Elizabeth Warren.
Do outro lado, Trump já abraçou o Bitcoin e outras questões envolvendo a tecnologia cripto – ele inclusive tem coleções de NFTs -, ainda que já tenha se envolvido em polêmicas sobre o tema.
Especialistas políticos lembram que o republicano perdeu em 2020 em alguns estados por uma margem muito pequena e que tentar agradar os eleitores em estados como New Hampshire, Nevada, Ohio e Pensilvânia pode até ser decisivo para que desta vez ele vença em todos.
Uma pesquisa recente da Morning Consult apontou que milhões de americanos nestas regiões enxergam ativos digitais como uma questão importante. Cerca de 18% dos eleitores nesses estados (ou 3,4 milhões de pessoas) possuem cripto e 55% deles disseram que teriam menos probabilidade de votar em candidatos que atrapalham os valores cripto.
Para Trump, porém, o problema é que ele ainda precisa provar o que realmente pensa das criptos. Em 2021, em uma entrevista para a Fox Business, Trump disse que “Bitcoin parece uma farsa. Não gosto porque é outra moeda que compete com o dólar”. Desde então, porém, ele amenizou o discurso e lançou seus NFTs, mas ainda não o suficiente para receber total aprovação do setor.
No fim, o republicano ainda aparece em vantagem nesse sentido. Pesquisa apresentada pela empresa de capital de risco cripto Paradigm aponta que 48% dos proprietários de criptomoedas nos EUA planejam votar em Trump, contra 39% em Biden. Mas até novembro ainda há muito chão para os dois angariarem votos.
Foco está no Congresso
Ainda que seja importante ter um presidente que apoie as criptomoedas, o principal foco dos participantes do mercado está no Congresso, principalmente porque é a partir dele que a legislação é feita, e isso pode mudar o rumo das criptos nos EUA – e no mundo.
O que os cripto eleitores e lobistas acompanham mesmo são as propostas legislativas destinadas ao setor. Dois projetos de lei, um apoiado por Warren e pelo senador republicano Roger Marshall, e outro apresentado pelos senadores Mark Warner, Jack Reed, Mitt Romney e Mike Rounds, teriam como objetivo aplicar para empresas de criptomoedas as regras de combate à lavagem de dinheiro que existem atualmente para bancos e outras instituições financeiras.
Atualmente, especialistas apontam que conseguir um governo unificado republicano (presidência e maioria no Congresso) seria o melhor cenário para as criptomoedas, mas ainda não há um consenso sobre essa análise. Hoje existem muitos republicanos que apoiam as criptos, mas nenhum deles em posições de liderança.
Um cargo que está no centro das atenções por conta das votações de futuros projetos de lei para criptos é o de presidente do Comitê de Serviços Financeiros da Câmara. O atual líder, o republicano Patrick McHenry, anunciou que renunciaria ao final de seu mandato, deixando um espaço livre e em disputa. O deputado republicano French Hill seria provavelmente a principal escolha do setor cripto e provou ser um forte aliado em sua posição atual como presidente do subcomitê de ativos digitais do Comitê de Serviços Financeiros da Câmara.
Outra vaga importante é a do Comitê Bancário do Senado, que atualmente é presidido pelo democrata Sherrod Brown e que não tem deixado pautas voltadas para cripto avançarem. Mas recentemente o estado de Ohio escolheu o republicano e defensor das criptos Bernie Moreno para disputar a vaga ao Senado.
Essa disputa pode ser uma das mais importantes para o setor cripto e pode definir os rumos da regulamentação do setor. Se Brown perder, isso não apenas mudará a liderança do comitê, mas também poderá mudar o partido com status de maioria no Senado, o que pode levar a mais republicanos favoráveis a cripto assumirem cargos de liderança.
Impacto no mercado cripto
Dificilmente o resultado dessa eleição fará uma revolução no mercado cripto – para o bem ou para o mal -, mas será importante para o rumo que o setor pode ter nos próximos anos nos EUA, que por ser a maior economia do mundo, também pode fazer diferença em outros lugares.
Um governo dividido, com Biden mantendo a presidência, pode acabar mantendo o cenário atual inalterado, ainda que exista um debate sobre a saída de Gensler da SEC mesmo se o democrata ganhar a eleição. Mesmo assim, haveria uma tendência da indicação de um nome que tenha características parecidas com o atual comandante do órgão regulador.
Já sobre o Congresso, caso haja uma mudança de liderança, o setor cripto pode se ver em um cenário mais favorável, por isso as atenções se voltam para as presidências da Comissão de Serviços Financeiros da Câmara e da Comissão Bancária, Habitacional e de Assuntos Urbanos do Senado.
Em geral, é difícil acreditar que haverá alguma grande mudança se o Congresso continuar dividido e Biden se mantiver no poder. Mas mesmo uma mudança nas duas áreas pode não significar que projetos pró-cripto sejam aprovados aos montes.
Ainda assim, é importante para o setor começar a construir um apoio maior no meio político, ainda que isso só comece a ter resultados mais concretos em um futuro mais distante.
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O post Criptomoedas e eleições nos EUA: como um pode decidir o futuro do outro apareceu primeiro em Portal do Bitcoin.